Em 1965 foi editada a Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65), primeira grande lei moderna de controle da Administração Pública. Vinte anos depois, na redemocratização do Estado, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), com base em projeto redigido pelo Ministério Público. Um ano após a promulgação da Constituição, foi apresentado projeto de lei de autoria do TCU, que se tornaria a Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/92), editada no mesmo ano da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), outra lei construída sob influência de controladores.
O panorama político era o impeachment do Collor e o recrudescimento do discurso de combate à corrupção diante de inúmeros escândalos. Também a Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93) se insere no contexto da responsabilização administrativa. Vinte anos depois, editou-se a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13), no calor dos protestos de 2013 e do desenrolar do Mensalão. São essas as grandes leis estruturantes do sistema de controle da Administração Pública.
Em maior ou menor medida, todas elas estão inseridas em um contexto conjuntural forte e é notável que foram redigidas ou influenciadas pelos próprios controladores. Combinadas com um processo legislativo praticamente inoperante, as características do sistema de controle da Administração levam a pelo menos três consequências deletérias.
Em primeiro lugar, aponta-se para o problema de garantismo, com a subversão da equação autoridade x liberdade pela previsão de mais prerrogativas ao exercício do controle que garantias ao controlado. A Lei da Ação Civil Pública sujeita aquele que recusar, retardar ou omitir dados técnicos requisitados pelo Ministério Público a pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. A LOTCU inova conferindo ao TCU poder regulamentar e a possibilidade de declarar empresas inidôneas. A Lei de Improbidade Administrativa é repleta de exemplos de tipificação com base em princípios e conceitos abstratos (vide rol do art. 11).
Outro problema é a insuficiência de procedimentalização dos mecanismos de controle. Na prática, controladores fixam o modo de controle sem maiores referenciais básicos em lei. Dentre vários exemplos de normatização procedimental no âmbito do TCU, mencione-se a Resolução 259/2014, que estabelece rito para constituição, organização e tramitação de processos de controle externo. Mencione-se, ainda, o papel regulador que o CNMP tem desenvolvido em matéria de ação civil pública, com a disciplina do inquérito civil (Resolução 23/2007) e do TAC (Resolução 179/2017).
Por fim, as peculiaridades da construção das leis de controle ensejam problemas de articulação institucional e de eficácia do controle, dado o desenho legislativo autocentrado em cada uma das leis, sem considerar o cenário normativo em que se inserem. O exemplo mais emblemático refere-se ao acordo de leniência da Lei Anticorrupção.
Pesquisas devem buscar inventariar o controle da Administração com a finalidade de endereçar reformas. Que elas sejam construídas de modo mais racional e com experimentação, em atenção a direitos, processos e articulação institucional, evitando-se a captura por atores interessados.
Fonte: Juliana Bonacorsi de Palma/ JOTA/ Opinião e Análise
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