POR ONDE ANDA O JOÃO GRANDÃO?

POR ONDE ANDA O JOÃO GRANDÃO?

 

   Matutava eu esses dias, cá com meus botões, e também com minhas nostalgias, pois que às vezes sou desses pensamentos, quando me lembrei do João Grandão. João Grandão, cujo nome oficial nunca soube, chegou para estudar no Diocesano, quando fazíamos o 2º ano científico (hoje ensino médio), oriundo da Paraíba. Enorme, cabelos cacheados caindo até os ombros e forte como um touro, pegou logo a alcunha de João Grandão, e caiu nas graças da turma. Virou ícone quando começamos a disputar os jogos interclasses daquele ano. Colocamos o João no time como zagueiro, primeiro pela aparência dele, segundo porque estávamos com escassez de jogadores. Primeiro jogo, enquanto estávamos nos esquentando e fazendo as preleções finais, João dá uma sumida e volta, dez minutos depois, com uma garrafinha térmica na mão e um leve bafo de pinga. Ofereceu-nos, para dar ânimo ao jogo. Era Velho Barreiro, uma pinga muito conhecida na época. Recusamos o oferecimento e ele, dando de ombros, tomou mais uma grande talagada e colocou o cantil atrás do gol. Ia começar o jogo.

   Faço aqui um parêntese para falar que todo jogo de campeonato no Diocesano tinha confusão. Se acabasse um jogo sem ter ao menos uma troca de sopapos, não era jogo valendo. Dito e feito, antes de acabar o primeiro tempo o pau comeu. Foi quando João veio de trás, correndo como um alucinado e gritando para todos nós a plenos pulmões: “Todo mundo pra trás de mim! Todo mundo pra trás de mim”! Paramos, meio estupefatos, e ficamos olhando um para o outro, sem entender a situação. João, que não parecia aberto a discussões, agarrou os indecisos bruscamente e jogou para a linha de trás. E lá ficou, sozinho, encarando o time adversário, como a dizer: “O primeiro fela da puta que passar da linha eu arranco a cabeça”. Ninguém passou, que ninguém é doido.

   A partir daí, tínhamos o nosso protetor, jogo após jogo. Sempre o mesmo roteiro. João metia umas doses para esquentar e ficava lá, em sua zaga, acertando mais gente do que bola. Ao primeiro sinal de confusão, a carreira e os gritos: “Atrás de mim, porra”. Já estávamos ficando mal acostumados e, confesso, mais propensos a arranjar confusão, confiando no João. Teve até uma vez que um de nós, acho que o Walfran, falou: “Porra João, cada um pode cuidar de si”! Mas João deu-lhe uma fuzilada com um olhar, ao passo em que gritou seu velho jargão: “Para trás de mim, porra”.

   Mas o tempo passou, como é de seu feitio. E o João se foi, assim como o velho campo de futebol, assim como as brigas nos jogos interclasses, assim como nossa juventude. Ficamos adultos e entramos de peito aberto em um jogo muito mais duro, onde levamos e damos porrada por uma simples questão de sobrevivência. Levantamos a cabeça e seguimos em frente, vislumbrando sempre um ponto à frente do horizonte, onde não precisaremos mais lutar. Mas isso não existe, e brigamos por um emprego, brigamos por melhoria salarial, brigamos por nossos filhos, brigamos por mais respeito, brigamos por cidadania, brigamos por dignidade, brigamos pelo direito de ser feliz. É da natureza humana. Temos que fazer. Ou brigamos ou somos engolidos. Ou brigamos ou somos varridos. Ou brigamos ou vemos nossos filhos subtraídos em seu futuro. Ou brigamos ou a corrupção desenfreada e os maus costumes de parte de nossa sociedade nos engolfa em seu bafo podre. Por isso tudo brigamos.

   Mas, confesso a vocês, sinto-me às vezes um pouco cansado disso tudo. E, imerso nesse cansaço, lembro agora do meu velho amigo João Grandão. Que saudade daquilo tudo! Que bom seria se, na vida, aparecesse às vezes um João Grandão, correndo feito doido e gritando, em um hálito de pinga: “Para trás, porra. Deixa que eu resolvo essa merda! Para trás”! Infelizmente as coisas não são assim. E não vai aparecer ninguém assim para resolver nossos problemas. Resta-me então apenas a lembrança do velho campo de futebol empoeirado, das camisas vinho grudadas em nosso suor e dos gritos daquele paraibano: “Todo mundo para trás, porra”!

Sérgio Idelano

 

 

6 Comentários em POR ONDE ANDA O JOÃO GRANDÃO?

  1. Sérgio, que crônica tão agradável! Consegui até materializar o meu conterrâneo, João Grandão! Se vc encontrá-lo pela vida, diga que também estamos precisando dos seus préstimos….kkkk
    Parabéns pela escrita leve, solta e sensivelmente deliciosa!

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