Trata-se de uma Representação apresentada pela empresa Águas e Esgotos do Piauí S/A (Agespisa), representada por seu Diretor Presidente, para questionar a legalidade e a legitimidade de procedimento licitatório feito pelo município de Porto, na modalidade Concorrência Pública n.º 002/2019, cujo objeto era a concessão da prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, com valor previsto de R$ 34.074.815,11, apontando a existência de cláusulas que visariam a restringir a participação na disputa.
O Tribunal de Contas do Estado do Piauí determinou a suspensão da Concorrência até que a Representação fosse julgada e citou o Sr. Domingos Bacelar de Carvalho, Prefeito do Município de Porto, que apresentou defesa. Também foi dada ciência do processo ao Governo do Estado, por meio do Procurador Geral. Em seguida, o processo foi enviado para análise da equipe de auditores de controle externo da Diretoria de Fiscalização da Administração Municipal (DFAM), que apresentou relatório apontando as seguintes falhas:
- O edital exige visto de CREA-PI aos participantes de outros estados. O que é uma cláusula restritiva que ofende o inciso I, § 1º do artigo 3º da Lei 8666/93 no qual veda aos agentes públicos estabelecer “preferências ou distinções em razão da sede ou domicílio dos licitantes” eis que é evidente que as empresas estarão inscritas nos conselhos de seu local de origem;
- O edital não estabelece parâmetros objetivos para calcular a pontuação dos licitantes que apresentaram todos os itens sem os atender integralmente, uma vez que os critérios para as faixas de atendimento de 25% a 75% são idênticos. Dessa forma, são maiores os riscos (1) de parcialidade da comissão responsável pela atribuição das notas sem o auxílio de parâmetros claros, (2) de impossibilidade de controle efetivo das licitantes que se sentirem prejudicadas por atos dessa mesma comissão em relação à atribuição das notas, que não poderiam apresentar impugnações com base em critérios claros, e de (3) afastamento de eventuais interessadas em participar do certame, por falta de informações claras e suficientes para elaboração realista das propostas;
- Exigência indevida de que a contratada tenha um advogado no quadro de profissionais;
- Exclusão da População Rural: verificou-se que o edital da Concorrência Pública de n.º 002/2019 abrange apenas a zona urbana, conforme item 06 do Termo de Referência. O fato pode representar afronta a um dos princípios basilares dos serviços de saneamento básico, que é o da universalização do acesso (art. 2º, I, Lei n.º 11.445/2007), já que mais de 30% dos domicílios e 37% da população habitavam a zona rural (dados do IBGE);
Adicionalmente, os auditores analisaram o vencedor do certame, Diniz Neto Soluções de Águas e Esgotos, encontrando o seguinte:
- O empresário individual Diniz Neto Soluções de Águas e Esgotos Eireli foi responsável pela realização dos estudos de viabilidade da concessão dos serviços de água e esgoto nos municípios de Antônio Almeida e Bom Princípio do Piauí. A empresa responsável pela realização dos estudos de viabilidade a concessão dos serviços de água e esgoto nos municípios de Landri Sales e Porto foi a M L L de Carvalho Eireli (nome de fantasia “Lótus Ambiental”), que pertence à Sra. Maria Lúcia Leite de Carvalho, mãe do Sr. Sebastião Ferreira Diniz Neto. Ou seja, as duas empresas já prestavam serviços para as 4 Prefeituras (inclusive P.M. de Porto), visando ao planejamento da concorrência pública em análise;
- Diniz Neto Soluções de Águas e Esgotos venceu as licitações que tiveram como base o estudo de viabilidade feito por ele próprio, o que só seria permitido caso as Prefeituras tivessem apresentado justificativas, para demonstrar que não haveria risco de conflito de interesses e inviabilidade de competição. No caso da Licitação de Porto, além de não ser inserida a justificativa, ainda foi possível notar que o estudo de viabilidade não foi disponibilizado como anexo do edital para que todos os concorrentes tivessem acesso às mesmas informações.
Por fim, os auditores notaram que a Concorrência Pública n.° 002/2019 foi anulada, no entanto foi aberta a Concorrência Pública n.° 001/2020 com o mesmo objeto. O processo foi julgado pelo TCE/PI que decidiu aplicar multa de 1.000 UFR-PI (R$ 3.530,00) ao Sr. Domingos Bacelar de Carvalho e determinou à Prefeitura de Porto que abstenha-se de dar prevalência, no julgamento da licitação para concessão dos serviços de água e esgoto, à proposta técnica em detrimento da menor tarifa, sem fundamentação adequada e de utilizar parâmetros predominantemente subjetivos para aferição da nota técnica; adote medidas visando à contenção da assimetria informacional na realização de futuros procedimentos de manifestação de interesse, inclusive oferecendo fácil acesso dos estudos técnicos realizados aos futuros licitantes; apresente plano de ação relativo aos investimentos e melhorias das condições sanitárias na zona rural com os recursos provenientes da outorga onerosa, no caso de ser mantida a concessão apenas para a zona urbana; além de outras determinações.
Nota 1: Licitação: Procedimento administrativo formal regra que se estabelece de forma prévia às contratações de serviços, aquisições de produtos, ou até mesmo para registrar preços para contratações futuras pelos entes da administração pública.
Nota 2: Concorrência: Modalidade de licitação.
Nota 3: Instrumento convocatório: é a lei interna das licitações. Nele constam todas as normas e critérios aplicáveis à licitação. É por meio dele que o Poder Público dá publicidade ao objeto a ser licitado, o procedimento adotado, as condições de realização da licitação, bem como a forma de participação dos licitantes.
Nota 4: O Termo de Referência é o documento que contém a especificação do objeto e condensa as principais informações da fase interna da licitação e, por isso, deve ser construído com cuidado e atenção, já que seus dados servem de espelho para elaboração do edital e contrato administrativo.
Nota 5: A anulação é o desfazimento de ato ilegal
Nota 6: A multa será recolhida em favor do TCE/PI (FMTC) e seu valor, via de regra, será de até 15.000 UFR (quinze mil Unidades Fiscais de Referência), podendo se equiparar ao valor total do débito nos casos em que o gestor der causa a dano erário.
Nota 7: UFR (Unidade Fiscal de Referência) aplicada pelo governo do Estado. Atualmente custa R$ 3,53 (três reais e cinquenta e três centavos). Decreto nº 18.740/2019.
Processo disponível no site do TCE/PI.
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