Atuais servidores serão imediatamente prejudicados pela reforma administrativa

“Nova Administração Pública” ou “Reforma Administrativa” (PEC 32/2020)

  • Os servidores atuais podem ser destituídos do cargo pela primeira decisão judicial colegiada;
  • Não é preciso Lei Complementar para regulamentar perda do cargo por desempenho insatisfatório do servidor. Os atuais ocupantes de cargos estáveis se submeterão a avaliações regulamentadas em lei ordinárias simples, pois podem facilmente ser modificadas para atender intenções governamentais episódicas, submetendo o serviço público a variações ideológicas do governo de plantão;
  • Os servidores em atividade não possuem mais exclusividade na ocupação de funções comissionadas tampouco reserva em cargos em comissão;
  • Os servidores atualmente em função de confiança serão exonerados em breve, na medida em que forem institucionalizados os novos cargos de liderança e assessoramento.
  • A proposta escancara a violação ao princípio da supremacia do interesse público primário ao assumir que comissionados podem ser destituídos por motivação político-partidária, ainda que sejam servidores concursados;

Esse conjunto afeta especialmente as carreiras envolvidas com o poder de polícia, como é o exemplo da FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL, AGRÁRIA, TRABALHISTA OUTRIBUTÁRIA, já que tais atribuições demandam um corpo especializado, exclusivo e independente, sendo incompatível com importância dessas atividades a admissão de pessoas estranhas a essas carreiras para dirigi-las ou chefiá-las (ou, como quer a proposta , para lidera-las”), pois poderão constranger a atividade fiscalizatória com seus interesses políticos.

SERVIDORES  ENQUADRÁVEIS COMO CARGOS TIPICOS DE ESTADO (Itens 1/4)

  • Não poderão realizar nenhuma atividade remunerada, inclusive acumular cargos públicos, exceto para atividades de profissionais de saúde e docência;
  • Embora, o texto ressalve os que atualmente exercem essas atividades de acumulação de cargos, o texto não cria regra de transição para os que possuam alguma atividade na iniciativa privada, como é comum caso dos servidores sócios de empreendimentos ou que atuam como profissionais liberais;
  • Se a PEC 32/2020 pegar, os atuais servidores ocupantes das carreiras típicas de Estado deverão imediatamente optar entre a atividade privada ou o cargo público.
  • Não bastasse o fim do regime jurídico único dos servidores, a proposta exclui a garantia de planos de carreira para servidores cujas atribuições não tenham previsão específica na Constituição Federal.

  • Desorganização das várias carreiras existentes com reflexo no decesso remuneratório diferido, pois não esconde a violação à irredutibilidade quando diminui férias asseguradas em alguns planos de carreira em período superior a trinta dias ou quando revoga s previsões de licenças-prêmios;
  • Vedação em descompasso coma a praxe no serviço público, que acertadamente atualiza valores indenizatórios por regulamento administrativo em face da corrosão inflacionária, a PEC também impede o pagamento de verbas indenizatórias que não tenham requisitos e valores fixados em lei;
  • Cessação imediata das progressões e promoções fundadas no tempo de serviço, já que essa sistemática desenvolvida na carreira foi a única solução possível ante a persistente incapacidade da Administração   Pública fixar regras objetivas e impessoais de avaliação de desempenho, sujeitando a maioria ao “apadrinhamento político das chefias para evoluírem.
  • Deslegalização de um regime jurídico que sempre foi pautado na legalidade, vez que a extinção dos planos de carreira veio acompanhada das possibilidades de o Chefe do Executivo alterar cargos na base da “caneta”, por simples decreto, o que acarretará em drásticas mudanças de rotina a cada novo mandato governamental.
  • Ao acabar com planos de carreira, cria verdadeiro congelamento salarial contra os servidores atuais, pois ainda que não sofram redução imediata, os seus futuros ganhos serão parametrizados pelo que for assegurado aos novos servidores, quando são péssimas as expectativas remuneratórias para os novatos, que em breve serão “compatibilizadas” com os piores salários da iniciativa privada;
  • Ai daqueles que ficarem doentes, participarem de treinamento ou pós-graduação, cumprirem serviços obrigatórios ou participarem da vida sindical ou política, pois ficarão sem retribuição dos postos comissionados, gratificações de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias e afins, que antes eram normalmente recebidos nesses casos considerados como efetivo exercício para todos os fins.

 

Interessante recuperar a história da nossa Constituição para notar como convergiram a visão de governamentabilidade,  na Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo, e da a situação dos servidores públicos, na Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos, no sentido de que a impessoalidade, a profissionalização e a estabilidade para os aprovados mediante concurso público são elementos indissociáveis da moderna Administração Pública.

“Com a Constituinte de 88, grande parte dos debates e proposições buscavam corrigir o conhecido paternalismo e ineficiência da prestação pública no regime anterior, dado que as funções públicas em massivas e politicamente ocupadas por alheios às carreiras, guindados a esses postos por desfrutarem dos favores do regime de exceção então vigente”(parecer da Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos), sem formação e treinamento adequados e que precisavam “agradar” seus superiores para se manterem nos postos ou conseguirem aumentos.

Justamente para assegurar que o cidadão tenha acesso à prestação pública independentemente de suas aspirações políticas (ou seja, impessoalmente), aos servidores foi assegurada não apenas estabilidade como sinônimo de manutenção do cargo, mas também como perspectiva de que seus salários e condições de trabalho sempre se manterão compatíveis com a importância da função, sem a necessidade de sujeitarem sua independência funcional às mudanças de governo.

Em verdade, o que possibilita a salutar alternância de visões políticas com a preservação dos pilares do Estado Democrático de Direito de 1988 é o conjunto de garantias dada ao funcionalismo público, o qual viabiliza que ajam profissionalmente de forma, por exemplo, a multar qualquer cidadão, inclusive altas autoridades, que nesse período de pandemia se neguem a cumprir medidas sanitárias, sem que necessitem do “aval” dos seus superiores para que façam valer a lei para todos.

Merecem análises  mais  profunda as propostas de novas formas de acesso aos cargos públicos, de extinção do regime jurídico único e da “nova” principiologia da administração pública, pretendidas pela PEC 32/2020, mas desde já é possível estas modificações, embora pareçam distantes dos servidores atuais, alteram substancialmente suas condições de trabalho.

É que a nova roupagem da terceirização chegará em breve, já que será comum que as atribuições dos servidores efetivos sejam compartilhadas com “recursos humanos” de particulares. Ou seja, a depender da vontade política do administrador, pessoas estranhas aos quadros da administração poderão realizar as mesmas tarefas dos servidores, concomitantemente, sem fé pública, ou sem que lhes seja exigido o preparo daqueles que passaram por todas etapas do concurso público.

Tudo isso decorrerá do chamado “princípio da subsidiariedade” que, conquanto a justificativa da PEC 32/2020 tente mascarar o seu propósito, servirá de desculpa para o projeto de precarização do serviço público. Esse postulado indevidamente elastece o que hoje ocorre apenas quando envolve a exploração direta da atividade econômica, pois a Constituição privilegia a livre iniciativa privada nesse âmbito, tão somente. Caso seja aprovado, o princípio da subsidiariedade inverterá a lógica de funcionamento até dos serviços de relevante interesse coletivo, tais como saúde, educação ou segurança, pois tornará residual a participação do Poder Público nessas atividades.

Evidente que os investimentos públicos nessas áreas, que já são precárias, serão reduzidos drasticamente, muito mais do que ocorreu com a Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu o teto dos gastos, certamente agravando as condições de trabalho dos atuais servidores, já que o “novo normal” será a retirada gradual dessas tarefas da responsabilidade do Poder Público.

No entanto, ao escrever a Constituição de 1988, a Assembleia Nacional Constituinte teve como panorama o histórico de pobreza e desigualdade social que historicamente assola a nação, e por isso colocou o Poder Público como protagonista para atingir seus objetivos fundamentais, e não como um ator subsidiário ou residual, considerando as dificuldades de acesso da população aos serviços privados. Com efeito, os servidores são a face visível desse Estado de Bem-Estar Social, e é com base nisso que se justificam as garantias anteriormente mencionadas, inconstitucionalmente atacadas pela PEC 32/2020.

Muito infelizmente, a pandemia da Covid-19 comprovou a atualidade da visão da Assembleia Nacional Constituinte: não fosse a relativa independência que o funcionalismo público tem em função das suas garantias, o que permitiu a sua atuação profissional na linha de frente no combate à doença, o saldo de mortes seria muito maior, dados os públicos e notórios desencontros dos atuais gestores políticos acerca da política pública de saúde.

Vale dizer, embora a justificativa da proposta governamental esteja fundada em “modernização” dos serviços públicos, eventual aprovação fará o Brasil regredir três décadas, pois a tônica da administração será o apadrinhamento político, a ineficiência e a ausência de profissionalismo.

Portanto, é preciso que os servidores atuais acordem para as consequências da PEC 32/2020, pois ocasionará a morte do projeto social corporificado na Constituição da República de 1988, do qual são os representantes por excelência.

Fonte: *Jean P. Ruzzarin – Advogado especialista na Defesa do Servidor Público, sócio-fundador do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados.

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