Sobre Digitais e Flocos de Neve

O que as digitais e os flocos de neve têm em comum? Eles são únicos. Assim como nós, seres humanos. Não existem dois semelhantes no mundo. Somos cabeças pensantes, e temos nossa individualidade. Portanto, pensar diferente da maioria não é vergonha nenhuma, desde que haja respeito e bom senso no seu jeito de pensar. Escolher um caminho diferente da maioria, interpretar diferente certas coisas ou ter sentimentos diferentes acerca de um mesmo fato não te faz melhor ou pior que os outros. Somos seres individuais, embora vivamos em coletividade! Há quem me ache estranho e meio cabeça-de-vento, ou coisas piores, sei lá. Talvez eu seja mesmo. Às vezes não consigo seguir a maré, interessar-me por coisas que deveriam me interessar, gostar de coisas que a maioria gosta. Sou meio estranho mesmo. Vou citar exemplos, em várias áreas.

Millôr! Porra, todo mundo adora o Millôr. Era um tipo de papa. Seus textos, suas charges e seu estilo alistaram hordas de fãs por anos a fio. Pois bem, eu detesto o Millôr. Não é que deteste a pessoa do Millôr. Nem poderia. Foi um cara de posições definidas, que sempre defendeu corajosamente suas convicções. Simplesmente, eu não consigo rir das coisas que ele escreve. Na maioria das vezes, nem consigo entender direito (viu? A burrice é minha. Nada a ver com o Millôr). Já tentei, juro que já tentei. Pego os textos dele, leio, releio, e viro para a minha esposa: “Me explica essa tirada do Millôr, para que eu possa sorrir”. Ela rebate: “Larga de ler esse chato”. Ela também não gosta dele. Claro que o erro é meu, é nosso. Ele tem que ser bom! Todo mundo acha, porra! Por outro lado, adoro o Chaves (o personagem do mexicano Bollanos e não o presidente do Paraguai). Aquele besteirol todo e eu gargalhando cada vez que ele chuta uma bola na cabeça do seu Barriga. Como pode um cinquentão como eu gostar daquilo? Mais um ponto a favor do Millôr! E, para piorar, gosto também do Mister Bean e daquelas comédias americanas tipo “Quem vai ficar com Mary”? Eu avisei que era estranho. Só estou tendo coragem de escrever isso porque o Millôr já morreu há muito tempo e nunca vai ler esse texto e nem tomar conhecimento da minha estranha existência.

Literatura! Neste caso, sou um leitor voraz. Leio tudo, sem preconceitos. Claro que tenho meus preferidos: Gabriel García Marquéz (de quem já li quase todos os livros, e autor do único livro que li mais de uma vez: 100 Anos de Solidão, que adoro), Saramago, Stephen King e Hemingway. Mas detesto boa parte dos clássicos da literatura. Fizeram um tempo desses uma votação, entre escritores e editores conceituados, para saber qual o melhor livro de todos os tempos. Quem ganhou? O Processo, do Kafka. Sinceramente, achei uma merda! O livro é angustiante e, pasmem!, nem fim tem. É verdade! A porra do livro não tem fim! Parece que ele morreu antes de completar, algo assim. Por outro lado, ao passo em que confesso a ousadia de não gostar de Kafka, vou confessar algo mais abominável: eu gosto de algumas coisas do Paulo Coelho. Acabo de me queimar. Como pode um escritor dizer que gosta do Paulo Coelho? Tudo bem, ele tem uns livros horríveis. Mas o Alquimista, por exemplo, é um bom livro. E outra coisa: um cara que vende milhões de livros no mundo todo tem seu valor!

Vinhos! Adoro vinhos! É uma de minhas paixões. Cheguei a endividar-me para comprar uma boa adega climatizada e guardar meus tesouros na temperatura ideal. Também gasto mais do que deveria às vezes para comprar vinhos caros, que eu acho que vale a pena. Mas, olha eu de novo, não gosto dos vinhos franceses. Mas são os melhores vinhos do mundo! Pois é, mas eu prefiro um bom vinho Chileno ou argentino, ou ainda um bom vinho da Austrália ou África do Sul (um dos meus preferidos é de lá). Até de alguns nacionais eu gosto, mas não gosto dos franceses. Paciência. Não entendo de vinho. E nem quero. Quero apenas degustar os que eu gosto. 

Música! Detesto forró, mesmo sendo do nordeste. O velho e bom forró pé de serra! Detesto. Não me convidem para um lugar que tenha isso. Pagode! Detesto também. Boate! Nem pensar. Costumo dizer em tom de brincadeira para minha esposa que se algum dia me separasse dela iria ter sérias dificuldades para me relacionar com alguém. A não ser que encontrasse uma pretendente em um cinema ou tomando um bom vinho em algum restaurante. Do que eu gosto afinal? Paula Toller. Ah, e também bandas antigas de rock inglês (The Smiths, The Cure) e alguma MPB (não todas, também detesto João Gilberto). E Iron Maiden (qualquer dia conto por aqui de quando levei meu filho para Fortaleza para assistir o show do Maiden, em plena sexta feira da paixão).

Amigos! Adoro os meus, mas nunca senti necessidade de ter um milhão de amigos. Minhas amizades surgem naturalmente, muitas vezes sem colaboração de minha parte. Minha esposa diz que estou ficando meio eremita. É mais ou menos isso mesmo. Gosto de sair com pessoas que me fazem sentir bem. Minha intolerância para chatos aumentou bastante. Acho que eu próprio é que estou ficando chato. Mas simplesmente não concebo mais a ideia de sentar em uma mesa de bar e ficar ouvindo um chato me azucrinando. Simplesmente dou um jeito de me levantar e sair. Não me obrigo mais a isso. Também não gosto de visitas surpresas. Adoro tomar um vinho ou uma cerveja com meus amigos em minha casa. Ou com meus cunhados e irmãos. Mas quero que me liguem antes e combinem. Detesto estar em casa e bater alguém, com uma garrafa debaixo do braço: “E aí, vamos tomar um vinho? Trouxe um ótimo”! Ora, e se eu não tiver com vontade? E seu eu tiver a intenção de um vinho a dois com minha mulher, com terceiras e quartas intenções? E se eu quiser ficar só naquela noite, lendo um bom livro? Invasão de privacidade. E eu adoro minha privacidade. Nunca chego à casa de alguém sem avisar (com exceção da casa dos meus pais, que esta nunca deixa de ser dos filhos mesmo).

Enfim, eu sou um cara estranho. E a cada dia fico mais estranho. Mas tenho pontos positivos também. Se não tivesse, minha esposa não estaria me aguentando há 33 anos. Nem meus amigos continuariam a me ligar após 40 anos de convivência. Somos amados, enfim! Todos nós, apesar de nossas esquisitices. Sempre há quem de nós goste. Assim como sempre há quem de nós não goste. É assim que tem que ser mesmo. Temos livre arbítrio acerca de quem vamos gostar!

E por que falei sobre isso tudo? Apenas para dizer que somos seres únicos e que devemos ter orgulho de nossa individualidade e de nossas opiniões e pensamentos. Apenas para dizer que somos do tamanho que nós mesmos nos enxergamos! Seguir opiniões ou seguir o senso comum apenas por comodidade nos desintegra, e nos afasta mais de nós mesmos. Estamos, pois, na mesma categoria das digitais e dos flocos de neve, e isto é bom!

Sérgio Idelano

 

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