Do dia 16/09/2022 a 23/09/2022, está aberto o Plenário Virtual do STF para o julgamento de diversas ADIs impetradas contra dispositivos da Emenda Constitucional 103/19, que instituiu a Reforma da Previdência. Dentre elas, citamos as ADIs 6.254 e 6.367, impetradas, respectivamente, pela ANADEP e pela UNAFISCO NACIONAL, visando o reconhecimento da inconstitucionalidade das regras de transição contidas nos artigos 4º e 20 da EC 103/19. A primeira, traz como argumento o fato de que o art. 4º, §2º viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que, mesmo se for considerado o aumento de longevidade da população, a elevação da idade e do tempo de contribuição mínimos seria excessivamente gravosa. A segunda sustenta que o art. 20 teria uma relação de desproporcionalidade entre o pedágio a que se submete o servidor e o tempo que resta para os requisitos serem alcançados.
O Ministro Roberto Barroso, o primeiro a emitir seu voto, rejeitou a alegação de inconstitucionalidade contra os artigos 4º e 20 da EC 103/19, argumentado, em suma, que a análise comparativa entre as regras antigas e as atuais permite afirmar que o impacto das mudanças foi pequeno para quem estava mais próximo de completar os requisitos para a aposentadoria, não havendo, portanto, ofensa à proporcionalidade.
Para sustentar seu voto, o Exmo. Ministro Roberto Barroso, dentre outros argumentos, construiu um hipotético caso concreto para demonstrar que as mudanças nas regras de transição produziriam um impacto muito leve em um segurado que, na data da reforma, estivesse prestes a adquirir o direito à aposentadoria em uma regra anterior. Para tanto, trouxe o seguinte exemplo:
“Um servidor homem que completou 58 anos de idade e 35 anos de contribuição na data de entrada em vigor da EC nº 103 /2019 (13.11.2019). Aplicando-se o art. 6º da EC nº 41/2003, ainda faltariam 2 anos para se aposentar, pois, apesar de ter o tempo de contribuição mínimo, ainda não atingiu a idade necessária. Pelo art. 3º da EC nº 47/2003, bastaria 1 ano, quando alcançaria o somatório de 95 pontos (59 anos de idade + 36 anos de contribuição). Essa seria, portanto, a regra mais favorável antes da entrada em vigor da EC nº 103/2019. O art. 4º dessa emenda, por sua vez, exigiria mais 7 anos em atividade, uma vez que, em 2026, ao completar a idade mínima de 65 anos, o segurado também superaria o somatório de 103 pontos (65 anos de idade + 42 anos de contribuição), em vigor para aquele ano. Por outro lado, pelo art. 20 da EC nº 103/2019, deveria trabalhar mais 2 anos apenas, o suficiente para chegar ao patamar etário mínimo, visto que, por já ter 35 anos de contribuição em 13.11.2019, o servidor não precisará pagar o chamado “pedágio” (tempo de contribuição faltante). Conclusão: para esse segurado, que estava prestes a adquirir o direito à aposentadoria, a mudança nas regras de transição produziu um impacto leve: um acréscimo de apenas 1 ano em relação à disciplina anterior.”
Entretanto, se o argumento adotado pelo Exmo. Ministro, gira em torno do pequeno impacto que as mudanças provocarão nos servidores que, à época da reforma, estavam mais próximos de completar os requisitos para a aposentadoria, não podemos deixar de colaborar com a discussão, apresentando uma situação fática esquecida pelo Ministro. Se não, vejamos:
Imagine uma servidora pública federal que, em 13/11/2019, faltava apenas um dia para implementar o requisito da idade de 55 anos, sendo este o último requisito a ser cumprido para que ela obtivesse o direito à integralidade e paridade pela regra de transição do art. 6º da EC 41/03.
O fato de completar 55 anos de idade apenas no dia 14/11/2019, fez com que ela perdesse o direito de se aposentar pelo mencionado art. 6º da EC 41/03, revogado pelo art. 35 da EC 103/19. Por esta razão, terá que se aposentar agora pelas novas regras de transição criadas pela reforma.
Ocorre que pelas novas regras de transição da EC 103/19, esta servidora, caso se aposente pela regra de transição de pontos (art. 4º), só terá direito à integralidade e paridade aos 62 anos de idade. Terá, portanto, que esperar mais 7 anos, caso queira garantir a integralidade. Significa dizer que, por causa de um único dia, terá que permanecer em atividade por mais 7 anos. Um dia se transformou em sete anos.
Neste caso, o mais viável é optar pela regra de transição do pedágio (art. 20 da EC 103/19), visto que nesta regra, não há a exigência do implemento da idade mínima de 62 anos para que a servidora tenha direito a integralidade e paridade. Por esta regra, ela nem precisará cumprir o pedágio de 100%, pois já possui mais de 30 anos de contribuição, faltando apenas o implemento da idade mínima exigida nos seus requisitos de elegibilidade, no caso, a idade de 57 anos, que será implementada nos próximos dois anos após a data de publicação da EC 103/19, já que nesta data, a servidora possuía quase 55 anos de idade.
CONCLUSÃO: no caso em comento, a partir da publicação da EC 103/19, a servidora terá que permanecer por mais 7 anos em atividade para garantir integralidade e paridade pela regra de transição de pontos (art. 4º). E precisará de 2 anos para garantir integralidade e paridade pela regra de transição do pedágio (art. 20). Destarte, sem sombra de dúvidas, para quem faltava apenas 1 dia para se aposentar e, agora, na melhor das hipóteses, precisará permanecer por 2 anos, as novas regras de transição são extremamente desvantajosas quando comparadas às regras revogadas. Obviamente, não podemos concordar com o Ministro e entender que tal alteração traz um impacto de natureza leve na vida desta servidora, uma vez que a reforma tem o condão de transformar 1 dia faltante para a aposentadoria em 729 dias. Sem dúvida, é inarredável a flagrante ofensa à proporcionalidade.
Por Alex Sertão
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