O Relógio e o Tempo

        Não dá para entender porque muitas vezes somos tão vaidosos e arrogantes, quando temos uma vida tão efêmera e transitória. Não dá para entender porque nos envaidecemos tanto de nossas pálidas qualidades quando sabemos (ou deveríamos saber) que tudo passa muito rápido, e que seremos um dia esquecidos, e que tudo aquilo que considerávamos dignos de ser eterno, no fundo era apenas soberba e vaidade tola. Tudo seria bem mais fácil se tivéssemos consciência de uma coisa bem simples: nada dura para sempre! O orgulho por uma situação atual? Bobagem! Arrogância, soberba e vaidade? Bobagem! Nós todos vamos passar! E o mundo vai continuar do jeito que está: belo, injusto, feroz e indiferente à passagem do tempo e das pessoas! Nós vamos passar e a vida vai continuar sem a gente! O sol vai nascer no dia seguinte ao nosso desaparecimento, como que para mostrar que não somos nada, que somos apenas poeira ao vento e que nossas vaidades e importâncias são coisas efêmeras que nós mesmos criamos para nosso próprio gozo. 

        Algum tempo atrás, lendo um livro de contos de Machado de Assis, descobri uma referência a um poema escrito por Henry Longfellow há quase 200 anos. Machado amava o poema e tinha citado ele no conto. Intrigado, resolvi baixar o poema, que se chama The Old Clock on the Stairs, e deparei-me com a mais perfeita representação da passagem do tempo que vi até hoje. O poema é escrito sob a ótica de um velho relógio que, imune à passagem do tempo, observa os efeitos do tempo à sua volta: juventude que vem e passa, amores que vem e vão, nascimentos e mortes, momentos felizes e momentos tristes, começos e fins. O poema fala sobre a passagem do tempo na ótica do relógio, que viu alegres crianças ali brincarem, o amor surgir para rapazes e donzelas, a juventude dourada. Viu a noiva vestida de branco em sua noite de núpcias, e viu também o morto em sua mortalha. Viu amizades nascerem e viu amigos se espalharem, casarem e morrerem. Viu o fim e o começo de cada pequena vida que por ali passou. 

        Enfim, toda a tragédia humana é dissecada nesse poema por Longfellow. Fiquei bastante impressionado com o poema e imediatamente procurei uma tradução que fizesse jus à sua grandiosidade, até chegar a uma que acho que se aproxima do sentido do poema. Trago aqui o poema! Sinto muito, mas não dá para selecionar trechos dele. Tem que ser lido por completo. É um pouco longo, mas garanto aos senhores que vale a pena:

(Quem tiver com o inglês em dia, vale muito ler no original. O final de cada refrão: forever/never! Never/forever! deve ser lido como o barulho dos ponteiros do relógio: tic/tac! Tic/tac!)

 

O VELHO RELÓGIO DA ESCADA

Um pouco afastado das ruas da vila

Ergue-se o antiquado casarão

Por todo o seu antigo pórtico

Altos plátanos suas sombras lançam

E de sua posição na sala

Um antigo relógio a todos diz:

– “Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

No meio do caminho da escada ele fica

E aponta e acena com suas mãos

De seu invólucro de carvalho maciço

Como um monge, que, sob seu manto,

Benze-se, canta e suspira ais

Com voz pesarosa a todos que passam:

– “Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

De dia sua voz é baixa e leve

Mas no silêncio profundo da noite

Distinta como o som de passadas 

Ela ecoa ao longo do corredor vazio

Ao longo do teto, ao longo do chão,

E parece dizer, em cada vão de porta:

– “Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

Através de dias de tristeza e de alegria,

Através de dias de morte e de nascimento,

Através de cada rápida vicissitude

Do tempo mutável, inalterado ele permaneceu,

E como se, como Deus, tudo tivesse visto,

Ele repete calmamente essas palavras de espanto

– “Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

Naquela mansão costumava haver

Generosa hospitalidade

Seus grandes fogos acima da chaminé rugiram

O estranho, em sua mesa festejou 

Mas, como o esqueleto do armário, na festa,

Este aviso do relógio nunca cessou:

–“Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre”

 

Bandos de alegres crianças ali brincaram

Rapazes e donzelas ali, sonhando, perderam-se

Ó, preciosas horas! Ó, juventude dourada,

E fortuna de amor e tempo!

Mas assim como um avarento conta seu ouro

Àquelas horas o velho relógio disse:

–“Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!

 

Desta câmara, de branco vestida

A noiva saiu em sua noite de núpcias

Ali, naquela silenciosa sala embaixo

O morto, em sua mortalha de neve descansou

E no silêncio que se seguiu à prece

Ouviu-se o velho relógio da escada

–“Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – Para sempre!”

 

Agora todos estão espalhados

Alguns estão casados, alguns estão mortos

E quando, com pontadas de dor eu pergunto:

“Ah! Quando deverão todos eles reunirem-se de novo

Como nos dias desde há muito passados?”

O velho relógio responde:

–‘Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

Nunca aqui, sempre lá

Onde toda despedida, dor e preocupação

E a morte e o tempo deverão desaparecer:

— Sempre lá, mas nunca aqui!

O relógio da eternidade

Diz isso incessantemente

–“Para sempre – nunca mais!

Nunca mais – para sempre!”

 

Sérgio Idelano

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