A atuação dos tribunais de contas no Brasil pós 1988 deve refletir a evolução relacionada à compreensão, internalização e consolidação democráticas que vem ocorrendo desde então.
Nesse cenário, dois aspectos merecem especial atenção: 1. A atividade de controle deve ser orientada por uma visão sistêmica, em que interagem e se retroalimentam as ações de controle interno, externo e social; 2. A sua composição deve guardar consonância com os valores democráticos fundamentais, tais como legitimidade, transparência, participação, responsividade e eficiência.
Trata-se de dinâmica voltada à potencialização e espraiamento do controle, que abrange todo o ciclo de atividades administrativas, desde o planejamento até a sua efetivação e exaurimento.
Tal lógica corresponde à modalidade batizada por Isunza Veras (2003) de controle transversal, em que os diversos atores e mecanismos horizontais e verticais se combinam com vistas a alcançar maior efetividade e eficiência. No mesmo contexto, Goetz e Jenkin (2011) referem-se a mecanismos diagonais de controle.
Atualmente inadmissível, portanto, a atuação isolada, autista e autocentrada das cortes de contas: justamente por estarem inseridas em um contexto maior e de necessária observância dos valores fundantes do Estado brasileiro, devem estar cada vez mais permeáveis e acessíveis não só aos demais órgãos e instituições, mas à população em geral, veículos de imprensa, academia etc.
No que tange à sua composição, devem refletir uma noção de legitimidade escorada não simplesmente no livre alvedrio e discricionariedade das autoridades nomeantes: para além disso, e tendo em vista a natureza iminente técnica dos julgamentos e análises de que incumbidos (conforme expressamente previsto no artigo 71, II da CF), seus membros devem apresentar preparo técnico compatível.
Tal assertiva destoa do cenário hoje existente, em que sobressai o perfil eminente político – e muitas vezes maculado pelo nepotismo – da escolha de conselheiros e ministros: segundo a Transparência Brasil, 80% deles provêm de cargos políticos; 30% são parentes de outros mandatários e 23% sofrem processos criminais ou por improbidade administrativa (SAKAI; PAIVA, 2014).
Não há como esperar uma atuação isenta, impessoal e técnica de agentes intimamente ligados àqueles cujas ações devem fiscalizar e controlar.
Daí a necessidade de se rever a forma de implementação das normas constitucionais de composição desses órgãos, com uma leitura minimamente compatível com os valores democráticos/republicanos que garanta uma legitimidade qualificada não apenas pela autoridade responsável pela indicação, mas também e principalmente pelo histórico e características do indicado.
Deve-se priorizar profissionais com experiência e expertise na área, tais como auditores e procuradores concursados.
Somente assim se terá um quadro técnico – e uma atividade – compatível com os valores eficiência, impessoalidade e moralidade.
Para tanto, desnecessária, a nosso ver, qualquer alteração constitucional: trata-se de questão muito mais de outorga de efetividade o texto fundamental que de lacuna normativa, de modo que uma simples e razoável interpretação sistêmica dos preceitos fundamentais nos conduz a tal exigência, a qual se prestará, assim, a justamente outorgar coerência e legitimidade substancial aos tribunais de contas.
E tal juridicidade interpretativa deve ser levada a efeito, inclusive, pelo Judiciário, incumbido, em última análise, da preservação e guarda da Constituição como sistema, e da análise, para além da mera legalidade, da juridicidade de tais nomeações. (MOREIRA NETO, 1991; 2008)
Fonte: Conjur
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