Todos os anos, milhões de dólares de recursos públicos desaparecem. Quer esses recursos sejam desviados para os bolsos de funcionários públicos, redistribuídos como suborno ou desaparecem de qualquer outra maneira. As práticas de corrupção representam uma séria ameaça a efetividade do governo e a confiança pública no mundo todo.
Nos últimos anos, vieram à luz vários escândalos de corrupção na América Latina, desde os Papeis do Panamá até o caso Odebrecht. É alentador saber que as instituições do Estado e os próprios cidadãos cada vez mais exigem prestação de contas. No Brasil, a Operação Lava Jato provocou a condenação de ex-altos funcionários públicos por acusação de corrupção, e na Guatemala os cidadãos estão exigindo que prossiga a campanha contra a corrupção no país.
Embora haja uma consciência generalizada a respeito das consequências adversas da corrupção, há poucas evidências rigorosas sobre a eficácia das possíveis soluções. Levando isso em conta, que orientação prática podemos oferecer aos governos que se proponham a lutar contra a corrupção agora?
As evidências de uma avaliação que realizamos no Brasil contribuem para esclarecer melhor essa pergunta. Nossa pesquisa sobre o impacto dos programas de auditoria contra a corrupção no Brasil chegou à conclusão que as auditorias públicas destinadas a revelar o desvio de recursos podem ser um instrumento eficaz de política pública para reduzir a corrupção. Nesse caso, as auditorias funcionaram tanto para promover a prestação de contas eleitoral como para aumentar as penas judiciais.
As auditorias da luta contra a corrupção no Brasil
No Brasil, as municipalidades locais exercem um controle considerável sobre a alocação de recursos federais. O governo federal exerce uma supervisão limitada dos funcionários municipais, que podem desviar ou fazer uma má gestão dos fundos destinados ao desenvolvimento local. O resultado desse sistema descentralizado é que a corrupção no nível municipal pode representar um perigo para a prestação de serviços sociais locais.
Consciente desse problema, em 2003 o governo brasileiro introduziu um programa inovador de luta contra a corrupção implementado por intermédio da Controladoria Geral da União (CGU). A CGU é uma agência federal autônoma cuja função é impedir e investigar o mau uso dos recursos públicos.
A agência realiza investigações de auditoria dos municípios, procurando conciliar os registros em papel com o montante real de dinheiro gasto. Os municípios são selecionados aleatoriamente para ser submetidos a auditoria mediante sorteio público. Desde que foi criada, a CGU realizou mais de 2.241 auditorias abrangendo quase 2 mil municípios e R$22 bilhões (US$7,8 bilhões) de recursos federais. Todos os relatórios das auditorias são publicados online, enviados aos meios de comunicação locais e distribuídos a escritórios federais e judiciais locais, de modo que tanto os funcionários públicos como os cidadãos podem ter acesso aos seus resultados.
Como podemos provar o impacto das auditorias
A seleção aleatória das auditorias da CGU cria uma oportunidade natural para medir o impacto das auditorias do governo sobre a corrupção política no nível municipal ao longo do tempo. Para isso, usamos dados da CGU para comparar níveis de corrupção entre municípios que não haviam sido auditados anteriormente e os que haviam sido auditados.
Este estudo baseia-se nas conclusões de outra avaliação que realizamos no Brasil em 2008, que estimou como o calendário das auditorias, também gerenciado pela CGU, teve impacto nas taxas de reeleição dos prefeitos. Nesse estudo, chegamos à conclusão que a publicação dos resultados de uma auditoria antes das eleições municipais reduzia a porcentagem de votos para os prefeitos corruptos em exercício e diminuía sua probabilidade de reeleição. Chegamos à conclusão também que os meios de comunicação locais desempenham um papel importante ao informar os eleitores sobre os resultados das auditorias.
Neste estudo de seguimento, voltamos nossa atenção dos eleitores para os políticos. Procuramos entender por que as auditorias eram efetivas (ou não), e identificamos quatro mecanismos potenciais pelos quais as auditorias podem ajudar a combater a corrupção.
Prestação de contas eleitoral – se as auditorias aumentam a percepção quanto à probabilidade futura de exposição ao escrutínio dos eleitores, os prefeitos que desejam ser reeleitos talvez se abstenham de práticas corruptas.
Prestação de contas judicial – se as auditorias aumentam os custos legais ou em termos de reputação, pode ser que os prefeitos se abstenham de práticas corruptas inclusive quando não houver o incentivo de reeleição.
Seleção política – se as auditorias permitem aos eleitores penalizar os prefeitos corruptos e recompensar os representantes honestos em exercício mediante decisões de reeleição, pode-se prever a escolha de melhores políticos nos lugares em que se realizou uma auditoria dos representantes em exercício antes da eleição.
Ingresso na política – se as auditorias mudam o contexto político, é possível que se apresentem nas eleições novos candidatos menos corruptos.
As auditorias públicas reduzem a corrupção?
Em poucas palavras, sim. Nossas conclusões sugerem que as auditorias podem ser um instrumento efetivo de política pública para reduzir a corrupção. Dos motivos possíveis destacados anteriormente, constatamos que a prestação de contas eleitoral e a prestação de contas judicial foram os principais mecanismos dessa redução.
Ter sido auditado no passado reduzia a probabilidade de corrupção no futuro. Foram registrados 7,9% menos atos de corrupção (como fraudes em aquisições, superfaturamento e desvio de recursos) nos municípios que tinham sido auditados no passado em comparação com aqueles que não o foram. Em comparação com os lugares não auditados, os municípios em que os prefeitos estiveram sujeitos a múltiplas auditorias ao longo de um mesmo período tiveram uma redução de 12,7% na corrupção. Essa redução pode ser atribuída seja aos efeitos da prestação de contas eleitoral ou judicial, ou a uma combinação dos dois fatores.
Os meios de comunicação locais foram fundamentais na amplificação dos efeitos das auditorias contra a corrupção. Os meios de comunicação locais criaram o que se chama no campo da pesquisa de “efeitos secundários”. {0<}As municipalidades com acesso aos meios de comunicação locais que não eram auditadas, mas eram vizinhas às municipalidades auditadas, também experimentaram uma diminuição da corrupção, provavelmente porque tinham acesso à mesma mídia. Nos lugares em que a rádio AM estava presente, os municípios com vizinhos que tinham sido auditados registraram uma redução de 7,5% nos casos de corrupção. Os municípios com acesso à televisão local registraram uma redução de 10,4% nos casos de corrupção.
A prestação de contas judicial desempenha um papel importante. Ter sido submetido a uma auditoria aumentava em 20% a probabilidade de que um município fosse objeto de uma autuação legal posterior, o que sugere que os custos legais e em termos de reputação por participar em atos de corrupção eram consideráveis. A prestação de contas judicial pode ser especialmente importante para os prefeitos que não enfrentam uma reeleição. Estimamos que esse efeito disciplinar legal explica 72% da redução total da corrupção local.
Os estudos de outros contextos, como Porto Rico, complementam nossas conclusões e demonstram o papel que as auditorias podem cumprir na promoção da prestação de contas eleitoral. Nossa pesquisa, porém, sugere que a prestação de contas eleitoral por si só não é suficiente para reduzir a corrupção no longo prazo, e que a vigilância judicial é importante. Uma redução sustentável da corrupção também pode exigir políticas destinadas a melhorar a capacidade do Estado para detectar e processar os políticos corruptos.
Nossa conclusão é que as políticas destinadas a aumentar os custos legais da corrupção ou a probabilidade de ser auditado seriam as que mais reduziriam a corrupção. Sem dúvida, isso suscita outro conjunto de perguntas sobre o que funciona quando se trata de melhorar a capacidade judicial — uma questão especialmente difícil em contextos em que a corrupção é endêmica. Embora não tenhamos ainda todas as respostas, estão bem claras as relações entre os esforços efetivos de luta contra a corrupção, uma forte presença dos meios de comunicação local e a capacidade judicial.
Por: Eric Avis, Claudio Ferraz, Frederico Finan/ Blogs iadb/ideação
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