Live da ANTC discute pontos importantes e polêmicos da PEC 32/2020

Especialistas debatem a proposta com o coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa

27/10/2020

As mudanças que podem ocorrer no serviço público brasileiro com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 32/2020 foram debatidas na sexta-feira (23) na live promovida pela Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Brasil (ANTC) em parceria com a Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU) e o jornal Correio Braziliense. O debate foi transmitido pelo canal da entidade no YouTube e contabiliza mais de 1,6 mil visualizações. O vídeo completo está disponível em https://youtu.be/BZlKHmzOIZ4.

A conversa teve como convidados o deputado federal Tiago Mitraud, coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, o auditor de controle externo do TCE/SE e vice-presidente nacional da ANTC, Ismar Viana, a auditora de controle externo do TCU e presidente da AudTCU, Lucieni Pereira, e a professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Maria Paula Dallari Bucci. A jornalista Basilia Rodrigues mediou o encontro. As necessidades de aperfeiçoamento do serviço público, os pontos polêmicos do texto da PEC 32/2020 e as garantias importantes para a boa prestação dos serviços à sociedade foram alguns dos temas discutidos.

A promessa de uma economia de R$ 300 bilhões da PEC 32/2020 mesmo sem atingir quem está na ativa foi o primeiro item a ser discutido. O deputado Tiago Mitraud destacou que a proposição não mira na redução de gastos e, por isso, não tem como pré-requisito o impacto financeiro. “A PEC pode sim trazer essa economia, mas o ponto central, para mim, é a economia dos serviços públicos brasileiros e o aumento da produtividade do setor público”, disse. “O que eu imagino que devam ser incluídos os atuais servidores é no capítulo da redação de benefícios que são verdadeiras distorções. Nós temos no Brasil algumas carreiras que ganham férias de 45, 60 dias por ano, ou tem aumentos retroativos, e outros privilégios”, opinou.

Lucieni Pereira analisou que, na União, não há espaço fiscal para a economia de R$ 300 bilhões. “A União não tem anuênio, quinquênio, não adota incorporação de funções ou cargos em comissão”, esclareceu. Ela explanou que a despesa total de pessoal da União, incluindo os militares, as suas aposentadorias e pensões, é de R$ 285 bilhões, enquanto as isenções fiscais concedidas somaram mais de R$ 300 bilhões. “Se for para apanhar um bolo de despesa e fazer um enfrentamento, é preciso enfrentar as desonerações fiscais, que não dão à sociedade a retribuição que o serviço público federal oferece”, acredita.

Para a professora Maria Paula, a PEC tem uma espécie de “cardápio de boas intenções” que não são prescritas. “A questão das férias de 60 dias é um privilégio. Mas quem recebe são os membros da magistratura e do Ministério Público. E eles não estão contemplados na PEC. Fica difícil levar uma discussão sobre o que é uma boa intenção e o que é o texto real”, esclareceu. Ela lembrou que a reforma fatiada – dividida nesta e outras emendas ainda não apresentadas provoca o risco de desorganizar questões que funcionam atualmente. “Muitos estudiosos que acompanham mais de perto sabem que faria mais sentido começar por reformas legislativas”, disse, lembrando que há projeto no Congresso Nacional há 20 anos sobre a avaliação de desempenho, além de outro sobre o regulamento do pagamento do extrateto, conhecido como penduricalhos. A mediadora Basilia Rodrigues questionou sobre o resgate de temas já consolidados pela Constituição Federal ou discutidos em outras propostas. “Eu imagino que os deputados que vão se debruçar sobre esse texto vão ter um certo desconforto, porque a avaliação de desempenho já está na Constituição Federal, muitos órgãos já fazem”, afirmou a professora.

O auditor de controle externo Ismar Viana avalia que a PEC não atinge o que anuncia: “Se for bem-sucedida, não teremos, por exemplo, os critérios que atualmente definem o padrão remuneratório dos agentes públicos”. “A gente precisa diferenciar privilégio de prerrogativa. O privilégio é incompatível com o estado de direito, mas a prerrogativa, como a estabilidade, é conduto para que a independência venha a ser bem exercida, para que o cidadão realmente seja beneficiado com serviços públicos de qualidade”, separou.

Mitraud recordou que a Frente Parlamentar da Reforma Administrativa lançou, há 15 dias, uma agenda com as prioridades, como os supersalários. “Acho que o teto tem que ser um teto de verdade e valer para todos. Sou extremamente favorável à votação do PL do extrateto”. Ele reclamou que os professores universitários têm férias de 45 dias. “O corte de privilégios deve ser estendido a todos”, avaliou. Ele acha que o capítulo de vedação aos privilégios é essencial ao Brasil. “A estabilidade não pode ser tão ampla e irrestrita como acontece hoje no Brasil, onde as três previsões constitucionais para a perda da estabilidade, além de serem insuficientes, não funcionam”, comentou ele, para quem a avaliação de desempenho é protocolar.

Lucieni recordou que, há quatro anos, fez parte da equipe que elaborou o parecer prévio das contas previdenciárias de 2014 e 2015. “Ninguém tem dúvida de que fazer um parecer prévio que indica rejeição das contas e assinar embaixo, com o país pegando fogo, é uma situação bastante tensa, em que você tem que ter coragem. Eu fico pensando, no futuro, quando um auditor tiver que fazer um enfrentamento desse tipo”, ponderou, com preocupação. A professora Maria Paula concordou com a preocupação de Lucieni e frisou que a estabilidade não protege o funcionário, mas a sociedade, usando como exemplo a atual crise ambiental do Brasil e as discussões em torno das divulgações dos dados sobre desmatamento.

Ismar Viana mostrou inquietação com relação ao sistema de provimento cargos em comissão inaugurado pela PEC. “Ela vai possibilitar que funções técnicas venham a ser desempenhadas por agentes públicos comissionados. Isso vai até na contramão do que o STJ já vem julgando, considerando que a nomeação para atividade técnica pode caracterizar ato de improbidade”, argumentou. Para ele, a possibilidade gerará falta de profissionalização, desincentivo à continuidade e precarização, além de poder ser usado para fins eleitorais, comprometendo a própria democracia. “Quando se extingue a função comissionada, igualando com cargo em comissão, eu posso levar a um equívoco de permitir que, na atividade policial, por exemplo, a função comissionada venha a ser ocupada por um agente que não integra aquela atividade”, opinou ele, para quem a PEC tem um arcabouço principiológico que não se comunica bem com o restante dela.

Diante das reflexões e críticas sobre alguns pontos da PEC, o deputado Tiago Mitraud ponderou que a PEC ainda não está pronta e que o texto apresentado pelo governo ainda será discutido no Congresso e submetido a emendas. “Acho que as preocupações colocadas são muito legítimas, todos querem a melhoria do serviço público. Acho que as preocupações, porém, extrapolam um pouco o que eu vejo das possibilidades que foram colocadas”, acredita. Mas ele acredita que as previsões constitucionais para a perda da estabilidade não atingem os objetivos em sua plenitude e são insuficientes e defende a revisão dos critérios. O parlamentar argumentou que o uso de comissionados em funções técnicas, hoje, já tem sido identificado em alguns setores do governo.

Ismar destacou o possível custo envolvido na exoneração de comissionados devido à troca de gestão, após capacitação e investimento público. Ele respondeu à pergunta do espectador Regin sobre o vínculo de experiência proposto pela PEC. “A diferença para o estágio probatório é que o vínculo de experiência integra etapa do concurso, então será convocado número superior de aprovados, estimulando uma competição que pode não ser salutar à boa prestação dos serviços públicos, a exemplo da área de segurança pública”, explanou. “Isso pode gerar uma disputa e comprometer o serviço público”, avaliou. O auditor de controle externo destacou ainda o alto índice de comissionados em municípios, com resultados negativos diretos na qualidade dos serviços públicos.

No encerramento, a presidente da AudTCU, Lucieni Pereira, destacou a importância de uma discussão multidisciplinar sobre o tema. “Eu acho que o debate de uma reforma tão substancial e estrutural não pode passar ao largo da academia. Espero que as universidades estaduais e federais possam se organizar em ciclos de debates para que a gente possa subsidiar os parlamentares com um debate abalizado e qualificado sob o ponto de vista jurídico. O vice-presidente da ANTC, Ismar Viana, destacou que é importante lançar luz sobre questões que podem ficar obscuras e gerar dúvidas ou mesmo informações equivocadas sobre o serviço público, com risco de demonizá-lo.

Fonte: Comunicação ANTC.

 

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